terça-feira, 10 de maio de 2022

Santos Dumont e suas aeronaves de vestir

 


Ao observar as aves Santos=Dumont desenvolveu sistemas de controle que envolvem seu corpo por inteiro, no qual de forma instintiva, pode em atos coordenados e de reflexo, dominar as dinâmicas de voo – bem dizer, “Santos=Dumont criou aeronaves de vestir”, parafraseando a avó Lygia do Professor Miguel Nicolelis* - seus manejos eram “body centric” , ou seja, todos os controles eram meras extensões do corpo de Santos=Dumont.


Em outros artigos desse blog descrevi como Santos=Dumont não só foi o pai da aviação como também o pai da biomimética e da filosofia Wiki, neste artigo, conto como ele também bem pode ter sido o pai da ergonomia, posto que é o estudo científico das relações entre homem e máquina, visando a uma segurança e eficiência, bem como a biônica por se tratar da técnica de aplicação de conhecimentos de biologia na solução de problemas de engenharia e design.

Santos=Dumont, costurou um "T" de madeira em seu paletó de onde partiam argolas finas ligadas aos cabos de comando que atuavam nos "ailerons". Inclinado o ombro para a direita ele podia comandar o "aileron" esquerdo, e vice-versa, reagindo ambas as superfícies, de maneira coordenada, de acordo com a inclinação do corpo do aviador”.


À medida que diferentes espécies de aves se adaptaram ao longo de milhões de anos através da evolução para ambientes específicos, presas, predadores e outras necessidades, eles desenvolveram especializações em suas asas e caudas, de forma a adquirirem diferentes formas de voo.

Engate cosutrado à jaqueta pelo qual Santos=Dumont conseguia controlar os ailerons do 14 Bis

Ao observar o voo dos pássaros, uma das formas mais complexas de locomoção do reino animal, Santos=Dumont criou formas intuitivas de fazer os movimentos necessários, incluindo decolar e pousar, tarefas que envolvem muitos movimentos complexos. 

Controles presos ao Paletó do 14-Bis

Santos=Dumont, ainda desconhecendo boa parte de como controlar uma aeronave mais pesada do que o ar, fez seu primeiro voo com o 14-Bis em 7 de setembro, por volta das 17h: Atingiu uma altura de cerca de 2 m e percebeu que deveria colocar ailerons nas células externas da asa, para controlar os movimentos de rotação. 

Único porblema é que todos seus membros estavam ocupados com outros controles, foi então que decidiu colocar uma peça de madeira costurada às costas de seu paletó e passou a controlar o movimento de parafuso inclinando seu corpo para a esquerda ou para a direita, como vemos no Livro Santos Dumont - Helio Paes de Barros – 1973 Ed. Universidade Federal de Pernambuco. 


“...Portanto , SANTOS DUMONT havia resolvido o problema do vôo num aparelho mais - pesado - que - o - ar : o " 14 - Bis ... Como ficava com as duas mãos ocupadas nos diversos comandos do avião, Santos=Dumont, costurou um "T" de madeira em seu paletó de onde partiam argolas finas ligadas aos cabos de comando que atuavam nos "ailerons". Inclinado o ombro para a direita ele podia comandar o "aileron" esquerdo, e vice-versa, reagindo ambas as superfícies, de maneira coordenada, de acordo com a inclinação do corpo do aviador”.

Santos=Dumont tinha o objetivo de voar como Ícaro, de forma individual, e evoluiu o cesto de vime de forma a realizar este sonho – o fez varias vezes a perfeição, principalmente com a Balladeuse N.9.

Hoje em dia não é incomum ver tais adaptações como os caros capacetes militares americanos. Um exemplo é o capacete ou head-mounted display (HMD) desenvolvido pela Rockwell Collins Enhanced Vision Systems, uma joint venture entre a Rockwell Collins e a Elbit Systems, que custa US$ 400.000, um preço que é significativamente maior que o da Ferrari.  

* Texto publicado no Portal de Notícias G1 em 04 de Novembro de 2006 - O homem que se vestiu de avião, dando asas à mente

Outubro chegou e com ele a chance de celebrarmos novamente duas das mais importantes conquistas da história da ciência brasileira. 

Aliás, eu diria mais. 

Se pudéssemos escolher um único mês que representasse a ousadia e a criatividade da ciência nacional, não tinha para ninguém. Outubro ganhava de goleada!

Tudo porque nesse mês comemoram-se duas das mais célebres façanhas de Alberto Santos-Dumont, o maior de todos os nossos cientistas. Aquele que assombrou o povo francês ao vivo, com a precisão dos seus voos diários pelos céus de Paris, e fascinou todo o mundo com a concretização do sonho coletivo da humanidade de voar.

Na tarde de tempo dúbio e ventos traiçoeiros do dia 19 de outubro de 1901, Santos-Dumont decolou do campo de Saint-Cloud rumo ao mais imponente símbolo de modernismo francês da época: a Torre Eiffel. Após circundá-la com manobras elegantes e precisas, Santos-Dumont retornou ao ponto de decolagem sob o aplauso delirante da multidão que tomava as ruas de Paris.

O primeiro grande aeronauta demonstrava para quem quisesse ver que a mistura de ousadia, tenacidade e paixão faz a gente voar. 

Literalmente.

E foi justamente isso que Santos-Dumont fez.

Ele prometeu que iria voar e voou. 

Como ninguém jamais havia feito. 

Em pouco mais de 30 minutos, lá estava ele. Momentaneamente de volta ao solo, ambiente hostil a esse homem-pássaro, ele ouvia a multidão reivindicar que lhe fosse outorgado o primeiro grande prêmio da aviação: o Prêmio Deutsch de La Meurthe. 

Mas não foi fácil fazer história. Nunca é.

Devido a uma polêmica quanto ao momento preciso da conclusão da prova, Santos-Dumont e os parisienses tiveram que esperar até o começo de novembro para comemorar a decisão oficial do Aeroclube da França. 

E como Paris comemorou! Como prometido, Santos-Dumont dividiu os cem mil francos (mais juros) ganhos com o prêmio, metade entre os seus mecânicos e o restante entre 3.950 pobres de Paris. 
Cinco anos mais tarde, no dia 23 de outubro de 1906, Santos-Dumont novamente assombrou os parisienses ao percorrer 60 metros de voo, abordo do seu legendário avião 14bis.

Quando eu era menino, e chegava o dia 23 de outubro, a maior neurocientista que eu já conheci, minha querida avó Lygia, sempre me dizia:

“Hoje celebramos o dia em que o homem se vestiu de avião.”

Dona Lygia dizia isso porque sabia que, desde os seus primeiros dirigíveis, Santos-Dumont havia criado um sistema complexo e eficiente de cordas, polias e alavancas que o permitia sentir e controlar, como ninguém antes o fizera, todos os componentes principais de cada uma das suas aeronaves. Tantos eram esses instrumentos de controle que muitos que vistoriavam essas aeronaves julgavam impossível que um homem só desse conta de manuseá-los.

Cem outubros depois, a neurociência talvez possa explicar esse fenômeno. 

Hoje nós sabemos que através de um processo chamado plasticidade neural (ou neuronal, para contentar a todos), múltiplas áreas do cérebro que contêm representações completas do nosso corpo alteram continuamente essas representações (ou mapas) ao longo de toda vida. Tais alterações ocorrem devido a mudanças que podem ser corriqueiras (mudanças de peso) ou mais dramáticas e raras (amputação de um membro) na configuração espacial do corpo. Na maioria das vezes, todavia, esses mapas cerebrais se alteram devido à prática constante de tarefas motoras especializadas, ou como resultado da mudança nos hábitos de exploração táctil do ambiente. Por exemplo, ao longo de suas vidas, pianistas e violinistas desenvolvem representações cerebrais dos dedos das mãos muito maiores e mais elaboradas do que a maioria da população. 

Recentes resultados sugerem que essas representações cerebrais do corpo também sofrem alterações correlacionadas ao tipo de ferramenta utilizada no dia-a-dia. Por exemplo, devido à prática constante, tenistas profissionais provavelmente incorporam suas raquetes como simples extensões das representações cerebrais de seus braços e mãos.

Em outras palavras, a criação passa a fazer parte do criador. 

De acordo com essa teoria, quanto mais eficiente a incorporação da ferramenta pelo cérebro, melhor seria a destreza e precisão com a qual o operador a utilizaria.

Assim, é plausível postular que, ao longo da sua carreira de aviador, com a prática de voos constantes, o cérebro de Santos-Dumont provavelmente desenvolveu a capacidade de incorporar todos os componentes de suas aeronaves; estabilizadores, asas, pneus, como se eles fossem nada mais do que parte do seu próprio corpo.

Da esquerda para direita Professor Ricardo Magalhães (USP-SP) grande dumontólogo e 'grande irmão', ao seu lado o sobrinho bis-neto de S=D, Professor Miguel Nicolelis, criador do exoesqueleto que permite Juliano Pinto (sentado) a andar após lesão na medula e Luiz Pagano, escritor deste blog. Ambos, o professor Nicolelis e o paciente Juliano assinam o lenço que pertenceu a Santos=Dumont - este lenço, que simboliza os marcos de conquistas tecnológicas Brasileiras, já tem a assinatura de Marcos Pontes, 1o astronauta brasileiro que o levou para o espaço a bordo a ISS, junto com um chapeu de S=D, e a ilustração do 'CORAÇÃO ALADO DE SANTOS=DUMONT' feito por Romero Brito, artista que bem representa o Brasil no exterior.


Dessa forma, através da plasticidade cerebral, ao subir em seus pégasos feitos de seda japonesa e cordas de piano, o franzino conterrâneo, subitamente, se transformava num gigante pioneiro.
Aeronauta da humanidade.

Cientista brasileiro.

Corpo de avião.

Cérebro com asas.

Dona Lygia, quem diria, mais uma vez tinha razão.

Imperdíveis leituras pra esse outubro mais do que histórico:

"O que eu vi, o que nós veremos". Alberto Santos-Dumont. Editora Hedra, São Paulo, 2002.
"Santos-Dumont e a invenção do vôo". Henrique Lins de Barros. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2003.
"Asas da Loucura". Paul Hoffman. Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 2004.
 
Miguel Nicolelis, para o G1.



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