É muito difícil para quem escreve sobre a ‘Maravilhosa Vida de Santos=Dumont, falar sobre sua morte. Mas 15 anos depois do inicio do blog, a pedido de leitores, segue minha pesquisa sobre o assunto.
Gostaria de iniciar e terminar essa matéria com as lindas palavras de Henrique Dumont Villares, seu sobrinho:
QUEM DEU ASAS AO HOMEM - 1953
“...De São Paulo que, no pungente momento desse trespasse, se achava isolado do resto do mundo por força do movimento armado, assim mesmo partiu e reboou longe a inesperada, dilacerante notícia.
Foram universais as manifestações de pesar. Logo, em 25 de julho, o governo do Brasil decretava “luto nacional por três dias, pelo falecimento de Alberto Santos-Dumont”, salientando, nos seus “consideranda”, que “o brasileiro Alberto Santos-Dumont, inventor da direção dos balões e do vôo mecânico, dotando a humanidade de novos engenhos para o seu desenvolvimento, estreitou os laços entre as nações e cooperou para a paz e solidariedade entre os povos, tornando-se, assim, merecedor da gratidão do Brasil, cujo nome honrou e glorificou”.
Não era esse, aliás, apenas um luto nacional: mas universal. Era um gênio que o mundo todo perdia. Para sempre fechava suas asas quem deu asas ao homem.
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Podemos iniciar este relato com a triste noite de 9 de julho de 1932, Santos=Dumont acompanhava as notícias dos confrontos na Praça da República, entre integrantes da Legião Revolucionária Getulista, fundada por Miguel Costa, e pessoas contrárias ao que a Legião defendia.
Segundo o artigo de 24 de outubro de 1932, desde aquela época, a suspeita de suicídio estava em pauta. |
Nesse embate, onde foram usadas até armas de guerra, morreram os jovens paulistas Miragaia, Martins, Dráusio e Camargo, que dariam origem à sigla MMDC que reunia os conspiradores revolucionários, e também à um confronto armado sem precedentes na historia de São Paulo.
Era a Revolução Constitucionalista de 1932. O Estado de São Paulo liderava uma revolta contra Getúlio Vargas, que, a seu ver, havia assumido o poder de forma antidemocrática. A insatisfação aumentou devido à nomeação por Vargas de um interventor externo para São Paulo.
As elites paulistas liberais exigiam eleições e uma nova Constituição, mas isso não aconteceu.
Foi então que a aviação teve seu importante papel, o governo federal contava com cerca de 58 aeronaves entre a Marinha e o Exército, enquanto os paulistas tinham apenas dois aviões Potez e dois Waco, além de alguns aviões de turismo.
Um terceiro avião foi obtido pelos rebeldes com a deserção do tenente Artur Mota Lima, que trazia uma aeronave do Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro.
Os "vermelhinhos", como eram chamados os aviões do governo federal, eram usados em combate para bombardear cidades paulistas, inclusive Campinas, e também para propaganda, lançando panfletos sobre cidades inimigas e locais de concentração de tropas rebeldes.
Aeronaves das Unidades Aéreas Constitucionalistas (UAC), apelidadas de “gaviões de penacho”, tiveram participação limitada.
Durante a Revolução de 1932, apesar das limitações das aeronaves, a aviação realizou duas façanhas notáveis: em 21 de setembro, atacou Moji-Mirim e inutilizou cinco dos sete aviões federais antes que pudessem decolar; e em 24 de setembro, três "Gaviãos de Penacho" atacaram o couraçado Rio Grande do Sul em Santos para relaxar o bloqueio do porto.
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Nossa história se passa meses antes, no dia 23 de julho, quando Santos=Dumont é brutalmente atormentado pelos voos da guerra.
A preocupação com o uso de aeronaves em guerra não era recente, seis anos antes, em 1926, Santos=Dumont já havia enviado uma carta à Liga das Nações pedindo a proibição do uso de aviões como arma de guerra, chegando até a oferecer uma quantia em dinheiro para quem escrevesse uma monografia sobre o assunto.
Sua solicitação foi ignorada.
Mediante tanta dor, a morte do inventor ocorreu no Hotel La Plage, quando seu repouso de convalesceça por um 'distúrbio nervoso' foi abruptamente interrompido pelo barulho de aviões indo para seu destino de guerra - a dor tornou-se insuportável.
A versão da síncope cardíaca
Mesmo perplexa com os atentados à São Paulo, a opinião pública tentava entender o que de fato teria acontecido com Dumont, a versão oficial, contada pela imprensa, era que Dumont havia morrido de clapso cardiáco.
Esse é o trecho do laudo necrológico do legista Roberto Catunda:
“Guarujá – Alberto Santos Dumont – 23-julho-1932. Alberto Santos Dumont – Brasileiro, branco, solteiro, com 59 anos de idade, inventor. Ao que consta, foi encontrado morto em um dos apartamentos do hotel de La Plage, no Guarujá, onde residia. Trata-se do cadáver de um homem de estatura mediana e de constituição regular, ainda em estado de flacidez muscular. Veste terno de casimira preta, gravata preta e calça botinas pretas. Não encontramos pelo corpo vestígio de lesão traumática. A morte se deu por colapso cardíaco”.
Como sabemos, por conta da revolução de 32, S=D não pode ter seu velório e enterro no momento de sua morte, foi então que o professor da Faculdade de Medicina de São Paulo, Walter Haberfeld preparou o corpo de S=D para mantê-lo íntegro até o efetivo funeral, no dia 22 de dezembro de 1932, no túmulo que mandou construir no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro.
Parte desse processo de embalsamamento, foi a retirada de todos os órgãos internos. Walter descartou todos os outros órgãos más manteve o coração preservado, “eu queria transformar o coração conservado numa representação física de Dumont em seu plano carnal”. Haberfeld manteve o coração de Dumont secretamente guardado em formol, por 12 anos, muitos crêem que ele queria guardar o coração de Dumont como forma de, num futuro próximo, revelar a verdadeira causa mortes de Dumont.
O Destino desse órgão ficou desconhecido até o ano de 1944 quando Paulo Gomide, voltou a apresentá-lo.
Era a Semana da Asa, no ano de 1944, o coração foi levado ao Rio de Janeiro em um voo, sendo entregue ao então Ministro da Aeronáutica, Joaquim Pedro Salgado Filho, pelo presidente da Panair, Paulo Sampaio.
Suspeitas de Enforcamento
Um capítulo significativo na história da aviação e da humanidade chegava ao fim, enquanto o mundo chorava sua partida, os acontecimentos que se seguiram revelaram a complexidade das emoções e reações humanas diante de uma perda tão importante, em um momento tão obscuro da a história do Brasil.
O triste acontecimento do quarto 151 repercutiria em uma série de acontecimentos. Jorge Dumont Villares, que se hospedava no quarto 152, ao lado do tio e mentor, viu-se naquele momento com um grande desafio.
A solidariedade humana surge como um raio de luz em meio à escuridão, amigos, familiares e admiradores se uniram para homenagear Santos=Dumont e oferecer conforto, porém, nem todas as reações foram permeadas de respeito e empatia.
Luxuoso Grand Hotel La Plage, no Guarujá e algumas últimas fotos do Santos=Dumont no local, antes da tragédia do quarto 151 |
Alguns funcionários do hotel, repórteres e pessoas que estavam presentes no momento, em um gesto cruel e insensível, fizeram comentários desrespeitosos e mórbidos sobre os eventos ocorridos no quarto 151. Suas ações demonstram uma falta de compreensão da profundidade do luto e da importância histórica. E isso gerou uma serie de boatos e desinformações que persistem até os dias de hoje.
Mas foi somente em 1º de novembro de 1972 que a verdadeira história foi revelada, em uma reportágem histórica de Edmar Morel, autor de 'O Pai da Aviação', intitulada “Santos=Dumont, O Gênio Torturado”, faz um apanhado das conquistas e glórias do inventor, bem como aparece com um surpreendente relato do delegado Raimundo de Menezes, enviado de Santos ao Guarujá no dia de sua morte:
“Uma noite, recebi a informação vinda de Guarujá de que o grande inventor fora encontrado morto no banheiro. Organizei a caravana e para lá seguimos. No “Hotel La Plage”, o mais elegante daquela praia, tivemos que arrombar a porta do banheiro, por cuja clarabóia se avistava o corpo pendurado numa gravata ou num cordão de roupão. Magríssimo, era ele um feixe de ossos.
Persuadido de que era o culpado pela invenção do avião, que estava servindo para bombardear os seus patrícios, disse por várias vezes a Edu Chaves, com quem se encontrava alojado no hotel, que se sentia angustiado por isso.
Aproveitando um instante de descuido realizou o seu intento: enforcou-se. Comuniquei imediatamente ao chefe de Polícia, Dr. Tirso Martins, o ocorrido, bem como o pedido da família para que lhe fosse entregue o corpo, sem maiores formalidades legais.
Autorizado, assim procedi, tendo por isso os jornais do dia seguinte anunciado o episódio como morte natural, havendo o médico legista dr. Roberto Catunda dado o atestado assim afirmando. Não houve inquérito policial.
Tratava-se de uma glória nacional. Daí a ordem da Secretaria de Segurança, a pedido da família.
Eis o que sei a respeito.”
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Mesmo com o chocante relato do delegado, que presenciou a morte e acabou com o mistério e as más palavras dos crueis, ainda hoje a morte de Santos=Dumont é cercada de polêmicas.
Sophia Helena, parente próxima do aviador, tinha muita dificuldade em abordar esse tema, ela dizia algo como "parece que ele se matou" ou "dizem que ele se matou" no documentário de Nelson Hoineff, roteiro de Henrique (no versão que tem 10 minutos a mais), como se não quisesse acreditar.”
E no fim deste duro, porêm importante artigo, como ela havia dito no início, termino com a frase de outro parente, Henrique Dumont Villares:
“E então, em 23 de julho de 1932, seus olhos, que tantas vezes viram o que ainda não vimos, fecharam-se para sempre.”
Há uma fala de Leonardo Da Vince, que considero uma oração e ilustra muito bem a vida e a morte de Santos=Dumont:
“Siccome una giornata bene spesa dà lieto dormie, così una vita bene usata dà lieto morire”.
Assim como um dia bem passado traz um sono feliz, uma vida bem vivida traz uma morte feliz.
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