sexta-feira, 15 de junho de 2018

Pioneiros Portugueses da Aviação Gago Coutinho e Sacadura Cabral

Pioneiros Portugueses da Aviação Gago Coutinho e Sacadura Cabral
A cidade de Sagres, que se encontra numa península que se projeta para o Oceano Atlântico, no Cabo de S. Vicente, é a ponta mais a sudoeste do país e todo o continente europeu. É um lugar incrivelmente especial, com falésias de 70 metros que mergulham no mar, e por muito tempo as pessoas acreditaram que era lá o fim do mundo.

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Um príncipe português, o Infante Dom Henrique, tinha uma escola de navegação lá, você ainda pode visitar as ruínas. Possuía o que havia de mais moderno em cartas náuticas e mapas celestes e equipamentos de navegação, era onde os exploradores se encontram e compartilham conhecimento e informações antes de navegar pelo oceano.

Estar lá me fez pensar em Colombo, Magalhães e Vasco da Gama, os grandes homens que deram grandes saltos no desconhecido para descobrir novos mundos. Sagres foi o Centro Espacial Johnson da época.

Como toda descoberta real começa por devaneios românticos, os portugueses foram os primeiros a colocar seus sonhos em prática – diz a lenda que a história da aviação portuguesa pode começar a ser contada com os "feitos de João Torto",
João Torto salta da torre da catedral na praça de São Mateus

Usando dois pares de asas cobertas de pano de chita presas aos braços e um capacete em forma de águia, Torto saltou da torre da catedral na praça de São Mateus em 20 de junho de 1540 às 17h. na frente de uma grande multidão e caiu a uma curta distância de uma capela próxima.

Infelizmente, quando ele pousou, seu capacete se desprendeu de seu rosto e obscureceu sua visão. Ele caiu no chão, ferindo-se fatalmente.

Torto, um verdadeiro homem da Renascença, era um homem de muitos ofícios: ele era enfermeiro, barbeiro, fisiologista e curador certificado, astrólogo e professor. - ele certamente inspirou os próximos pioneiros da aviação que estavam por vir.

Outro grande pioneiro da aeronáutica foi um monge jesuíta, Bartolomeu de Gusmão, que interrompeu os seus estudos na Universidade de Coimbra para desenvolver as suas máquinas voadoras. Nos dias 5 e 8 de agosto de 1709, o monge demonstrou o princípio do mais-leve-que-o-ar ao rei João V de Portugal, à sua corte e ao Cardeal Conti, mais tarde Papa Inocêncio XIII.
Passarola de Bartolomeu de Gusmão

Gusmão demonstrou em ambientes fechados e também ao ar livre o princípio usando um “balão de ar quente”, que certa vez atingiu uma altura de 4,5 metros, carregando a “Passarola” um navio voador onírico no formato de  uma ave.

Não poderia deixar passar aqui, nesse blog que Santos=Dumont, pelo seu lado materno, descendia de família portuguesa, ele valorizava tanto seu nome de origem portuguesa “Santos” quanto o “Dumont” francês, separados por um sinal de igual em sua famosa assinatura “Santos=Dumont”, na qual equalizava a importância de suas duas ascendências. Mas foram sem dúvida Gago Coutinho e Sacadura Cabral os mais importantes aeronautas portugueses até os dias de hoje.

Nesse encontro, Dumont forneceu a dupla de aviadores importante informação de navegação, referentes ao uso de cronometro e outras cruciais referencias de navegação que fizeram toda a diferença no que diz respeito a segurança aérea para a travessia.
Saiba mais sobre o projeto "Por Ares Nunca Dantes Navegados" de Rita Figueiredo França com o objetivo de homenagear Gago Coutinho, Sacadura Cabral e Santos=Dumont a ser realizado no dia 18 de Junho de 2018

No dia 30 de março de 1922, os dois aviadores portugueses Sacadura Cabral e Gago Coutinho partiram para a Estação Aérea Naval do Bom Sucesso, no Tejo, perto da Torre de Belém, em Lisboa, às 16h30 do dia 30 de março de 1922. no avião Lusitânia da Aviação Naval Portuguesa, foi a primeira travessia do Atlântico Sul.
O Lusitânia perto da Torre de Belêm

No 17 de abril, eles voaram para a Praia, na Ilha de Santiago, e depois para o Arquipélago de São Pedro e São Paulo, já em águas brasileiras, para onde chegaram no mesmo dia, depois de voar 1.700 quilômetros sobre o Atlântico Sul. Chegaram a esse ponto confiando apenas no Sextante da Bolha Padrão, com seu horizonte artificial e o corretor de rotas, ambos inventados por Coutinho exclusivamente para essa viagem.

No entanto, quando abandonou os mares revoltos perto do arquipélago, o Lusitânia perdeu um dos seus flutuadores e afundou. Os dois aviadores foram salvos pelo cruzador NRP República, que havia sido enviado pela Marinha Portuguesa para apoiar a travessia aérea. Os aviadores foram então levados para as ilhas brasileiras de Fernando de Noronha.

Imediatamente depois disso, o governo português enviou outro hidroavião Fairey III para completar a viagem. O novo avião, batizado Pátria, chegou a Fernando Noronha no dia 6 de maio. Após a reforma, o Pátria partiu no dia 11 de maio com Coutinho e Cabral a bordo, em direção ao Arquipélago de São Pedro e São Paulo para retomar a jornada do local interrompido, mas um problema no motor os obrigou a fazer um pouso emergência no meio do oceano, onde ficaram a deriva por nove horas até serem salvos pelo navio de carga britânico Paris City, que os levou de volta a Fernando Noronha.
Fairey III chega a ilha de Santa Cruz

Um terceiro Fairey III - batizado com o nome de Santa Cruz, em homenagem a esposa de Epitácio Pessoa, o Presidente do Brasil - foi enviado, levado pelo cruzador NRP Carvalho Araújo. Em 5 de junho, o Santa Cruz foi colocado nas águas de Fernando Noronha e Coutinho e Cabral retomaram sua jornada, voando para Recife, e depois para Salvador na Bahia.

Eles finalmente terminaram a viagem de 5.000 milhas no Rio de Janeiro, em 17 de junho, após um total de 62 horas de vôo (é importante dizer que os aviadores britânicos John Alcock e Arthur Brown fizeram o primeiro vôo transatlântico direto em junho de 1919 e chegaram a St. John's, Newfoundland, em Candada).
Sextante de Horizonte Artificial 

Usado para medir o angulo entre dois objetos a distância, o sextante era a ferramenta básica dos navegadores marítimos, mas não era possível utilizá-lo quando se está abordo de uma aeronave, pois considera a linha d’água e o nível do mar como pontos de referencia fundamentais.

Foi então que Gago Coutinho inventou o Sextante de Horizonte Artificial ou o Coutinho-Pattern Bubble Sextant e o Corretor de Rumos.
Funcionamento do Sextante Marítmo

O Sextante usava uma ampola contendo uma bolha de ar como substituta à linha d’água, tal como os outros inventos feitos por experientes navegadores portugueses, as idéias adotadas para conceber o sextante especial foi elegantemente simples - suponhamos que o navegador esteja se aproximando do litoral de Lisboa, e a uma certa distancia, quer medir o angulo do topo da torre de Belém em comparação com à linha do horizonte (linha d’água), com isso estipular o angulo e obter trigonometricamente a distancia até a torre:

1 - A principio parte-se do zero no braço móvel e no tambor micrométrico, a seguir olhando pelo telescópio, enquadra-se a linha da água no espelho pequeno;
Funcionamento do Sextante de Gago Coutinho

2 – Depois de bem enquadrado, aperta-se o grampo e solta-se o braço móvel, girando-se o tambor micrométrico até que o topo da torre se alinhe com a linha da água – nesse ponto, leia a escala de graus marcadas no arco graduado.
Sextante de Horizonte Artificial, inventado por Gago Coutinho

No caso do Sextante de Horizonte Artificial, inventado por Gago Coutinho, foram adicionados um horizonte artificial ( 9 ), um frasco com água e nível de bolha de ar, que era refletido por um espelho auxiliar, substituindo assim a janela do nível d’água. Este dispositivo permitia definir um plano horizontal, sem a necessidade do horizonte de mar visível aos navegantes marítimos, naturalmente posicionados ao nível do mar.

Em colaboração com Sacadura Cabral, ele projetou e construiu outro instrumento que eles chamaram de "Plaqué de abatimento" ou "corretor de rota", que permitia calcular graficamente o ângulo entre o ângulo longitudinal da aeronave e a rota a ser seguida, levando em conta a intensidade e direção do vento.

A fim de verificar a eficácia dos seus métodos e instrumentos, Gago Coutinho e Sacadura Cabral fizeram várias viagens aéreas, uma das quais foi a viagem entre Lisboa e o Funchal em 1921, em cerca de sete horas e meia. Nesta jornada, Gago Coutinho realizou 15 cálculos de linhas retas de altitude e várias observações da força e direção do vento. Segundo suas anotações, os processos de navegação utilizados “foram suficientes para determinar com precisão qualquer ponto longe da Terra, por menor que fosse, recurso que se tornou essencial para o projeto de longa distancia da viagem aérea de Lisboa para o Brasil”.
Hidroavião Fairey F III-D nº 17 "Santa Cruz" (Museu de Marinha de Lisboa)

A saga de Coutinho e Cabral, a travessia aérea do Atlântico Sul bem como a invenção desses instrumentos inovadores inspiraram numerosos pilotos transatlânticos subsequentes, como o norte-americano Charles Lindbergh, o brasileiro João Ribeiro de Barros e o português Sarmento de Beires, todos atravessando o Atlântico em 1927.
Carta de Gago Coutinho à Santos=Dumont
Carta de Gago Coutinho a Santos=Dumont

Num incrível documento, mantido no museu de Cabangu existe uma linda carta póstuma de Gago Coutinho endereçada a Santos=Dumont, manifestando admiração pelo idolo, descrevendo a felicidade ao ler sobre as aventuras do grande homem nas matérias da "Vie au grand-air", e carinhosamente se referindo a e Santos=Dumont como pai da aviação. A seguir leia o texto integral.

"Pessoalmente, eu admirei Santos Dumont, antes de o conhecer em pessoa. Suas aventuras aéreas eram-me relatadas pelo semanal francês "Vie au grand-air", quando há meio século eu trabalhava no sertão africano, como geógrafo.

Notei que ele começara seus estudos pelo princípio, pelo balão esférico. Seguiu depois com o dirigível, então só militar, com motor elétrico. Foi avançando com sua volta à Torre Eiffel; daqui passou ao dirigível a "motor de fogo", que representava o "fogo ao pé da estopa", perigoso, como depois se viu.

E assim foi levado ao Avião, já sem hidrogênio, mas que ele viu ser a "máquina de voar" do futuro. E, enfim - faz agora uns 52 anos - Santos , obteve resultado material, provando que o "Homem poderia vir a voar", e bem melhor que os rivais, os pássaros. Parece que alguns estranharam que ele não tivesse feito tal demonstração na sua terra, o Brasil, como ouvi há 36 anos, repetir no Rio, causando-lhe antipatia, indiferença. Mas ainda lá não havia os recursos para suas experiências com motores leves, de gasolina, além de pessoal para a construção de balões, etc.

Porém faltava ainda um interesse mundial, como se provou com a sua experiência definitiva em 1906, em St. Cloud. Aqui suas experiências provocaram um interesse público, na presença de interessados no problema, como Blérriot e outros, que viram materialmente o futuro que S. Dumont revelara publicamente. E assim, sua experiência logo provocou outros pilotos do Ar, que passados poucos meses já sabiam voar, com recursos derivados dos que revelara o "Pai da Aviação", o nosso S. Dumont. De sorte que, se outros já tinham voado melhor que os seus dois heliómetros - vôo que eu gostaria de ver repetidos todos os anos por esta época o fato concreto é que foram suas experiências de 1906 o passo capital, que provocou tal desenvolvimento, como aquele que a Companhia "Panair do Brasil" demonstra com seus aviões gigantes, que embarcam aos 70 passageiros, todas as semanas!

Não é tudo. Em 1922, S. Dumont ofereceu-me, como ao seu colega experimentador, aqueles dois instrumentos, com os quais procurava demonstrar praticamente o poder da orientação do Avião no Ar - semelhante àquele que - há séculos - os "Pilotos lusos" revelaram ao Mundo, no alto mar. O seu Cronómetro aqui está, ao passo que seu sextante, que serviu também a seus estudos de navegação, já o ofereci ao Museu de São Paulo, estudos em que ele nos precedera.

Composição da carta original em três páginas

E, por assim dizer, em réplica, tive ocasião de lhe proporcionar um grande prazer espiritual: Na tarde de 4 de Junho de 1931, navegava S. Dumont a bordo do paquete Lutetia, levando assim, na sua última viagem para o Brasil, o Pioneiro do Ar, que era Santos Dumont; pelo través do paquete, o Avião-gigante D.O.X., passou-lhe uma centena de metros no mar, voando apenas a uns seis metros da água. Corríamos à velocidade de cem nós, com segurança, e proporcionando-lhe a satisfação de verificar palpavelmente o alcance da sua criação inicial - voando com aquela máquina cem vezes mais pesada que a sua "Demoiselle", de Paris. Íamos confiados em instrumentos, como aqueles que ele experimentara, Cronómetro e Sextante. Aquele acontecimento aéreo, mostrava que ele previra tudo, melhor que outros o teriam feito, sem testemunhas.

Eis o que notei, apenas 25 anos depois do seu vôo público, definitivo."

Lisboa, 1958 - Out. 17 Gago Coutinho

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