sábado, 23 de junho de 2018

Os incríveis Jantares Aéreos de Santos Dumont

Santos=Dumont sentado em suas mesas altas, com convidados

Existem relatos de que quando morava em Paris, no inicio da década de 1910, Santos=Dumont mandou fazer mesas de dois metros de altura, acompanhadas de pequenas escadas, para que os convidados pudessem subir nas cadeiras elevadas, bem como, para que os garçons pudessem servi-los. Colocou essas mesas em seu apartamento da Champs Élysées e promoveu algumas refeições para convidados muito especiais.

Outros relatos, dizem que foi somente feito um conjunto de mesa com quatro cadeiras.

read this article in English

Infelizmente não temos muitas referências de como, quando e porque Santos=Dumont promovia esses “Jantares nas Alturas”, as poucas que nos chegam, acabam sendo distorcidas, incompletas, tendenciosas e pejorativas.

Reconstituição da sala de jantar nas alturas com base em fotos da época.

Más que deveriam ser eventos muito extravagantes, sofisticados e por isso, inesquecíveis, disso eu não tenho dúvida.


O apreço de Santos=Dumont por vivenciar refeições únicas, e levar um estilo de vida digno do que lia nas aventuras de Julio Verne, viria a ser conhecido mais tarde quando ele frequentemente parava seu dirigível N.9, no restaurante 'La Grande Cascade', ou na frente de seu elegante apartamento em Paris, somente para tomar um café com amigos, e retornar seus voos.

Mas foi com os Aereial Dinner Parties (eventualmente chamados de “L’incroyable diner dans le ciel” ou “diner aérien” pelos parisienses) que Santos=Dumont conquistou o coração da elegante elite ‘dandie’ da época.

Das melhores matérias que achei a respeito sobre esses e outros jantares promovidos por ele, começo citando Jorge Henrique Dodsworth, sobrinho-neto de Santos Dumont: “Cabeça nas alturas, jantar nas alturas. Ele mandou fazer mesa de jantar e cadeiras especiais para dar aos convidados aristocratas a sensação de estar nos ares”.

Yolanda Penteado nos descreve o “Tio Alberto”, como ela  carinhosamente o chamava e um pouco sobre quem seriam esses possíveis convidados: “Santos-Dumont era extremamente elegante e refinado. Impecável, lançou moda: o colarinho Santos-Dumont, chapéus Santos-Dumont, (...) excêntrico e vaidoso. Como era baixo, usava botas elevadores. Ou como serão chamadas mais tarde, saltos plataforma (...) nos primeiros anos do século XX, Santos-Dumont foi, realmente, a figura número um de Paris. Era, diga-se de passagem, o tempo em que gente fabulosa como, Marcel Proust, Guy de Moupassant, Toulouse-Lautrec, brilhava nos bulevares, nos cafés e nos salões. (...) O famoso caricaturista SEM o registrou o registrou em um café ao lado de Lautrec”.


Yolanda fala também sobre outras excentricidades e sofisticações de Dumont em relação às refeições que promovia, “Certa vez [Santos-Dumont] nos convidou para ir a Petrópolis (...) nós éramos convidadas a almoçar, e qual não foi meu espanto, quando via a mesa forrada de violetas dobradas, de Parma. A louça, Royal Dalton, muito bonita, vermelha. Um negrão trouxe uma bandeja com um enorme peru. O preto quase não cabia na sala (a Encantada, casa de Santos=Dumont em Petrópolis, tem dimensões muito diminutas) e foi uma cena, para cortar o peru. Seu Alberto serviu só champagne. Dentro das champagne também havia uma violeta.

Já quanto a vida do aviador em Paris, na intimidade de seu apartamento, temos a referencia do repórter do New-York Mail and Express, que certa vez fora enviado a Paris para descrever sua personalidade. É importante ressaltar que essa descrição possa ser um pouco tendenciosa, posto que  Santos=Dumont era muito amigo de James Gordon Bennett, uma celebridade e milionário que vivia em Paris, proprietário do jornal concorrente, o New York Herald.

Paul Hoffman, em seu livro Asas da Loucura descreve minuciosamente a decoração do apartamento de Santos=Dumont, redigida por tal repórter: “feita em uma profusão de tons pastel, azul e branco, rosa, dourados, com paredes forradas de seda e filó, grandes laçarotes. Diz ainda que era o próprio Dumont que tecia, era grande conhecedor da arte da tapeçaria e bordava suas próprias toalhas e guardanapos”.

É possível também que Dumont tenha feito sua própria roupa de mesa, posto que os bordadeiras da família Dumont, do noroeste de Minas Gerais, tem antiga tradição nessa arte, fazendo toalhas de renda irlandesa, lençóis com rendendê, fronhas com ponto de cruz, usando técnicas seculares que se misturam a tantas outras neste Brasil afora.

O tricô, crochê e o bordado fazem parte da tradição feminina no Brasil, no entanto é sabido que a matemática e a arte que se empregam em tal tarefa, era aprendida em família, muitas vezes por homens que não tornavam publico tal façanha, para evitar o preconceito, e atualmente é praticado por muitos homens e mulheres com o intuito de desenvolver habilidades mentais, controle de estresse e obviamente, por sua beleza.


No livro “La Demoiselle et la Mort”, Michel Bénichou descreve o inventor em sua casa praticando essa arte: “No salão branco, onde o sol poente cintila dourado, Alberto Santos-Dumont dá as costas para a janela. Imóvel, sentado numa poltrona dourada, diante de uma cortina rosa sob um véu bordado, ele encara seu mundo, um monte de bugigangas numa coleção de mesinhas (guéridons), fixa seus olhos no nada. De seu pequeno corpo hierático, apenas as mãos se agitam com movimentos regulares. Ele está tricotando. O tique-taque de suas agulhas competem com o suave tique-taque de um relógio. Quando chega a hora, ele olha para eles, conta as malhas com a ponta do polegar, faz a dobra, os arruma, levanta e caminha com súbita vivacidade para o quarto”*.

Sei ainda que muitos leitores de nossa cultura tendem a ter impulsos machistas no que diz respeito a suas habilidades com agulhas, e à sua sexualidade, o que é causado por pura ignorância, mas na França essa sua habilidade era conhecida e respeitada. Nesse sentido, me esforço por abordar tal assunto, com espírito de investigação jornalística e livre de preconceito.

Ser convidado para tal evento, ter uma refeição na casa de uma das maiores personalidades do inicio do século XX, promovidas pelo gênio aviador, nosso pai da aviação, e ainda vivenciar únicas experiências gastronômicas nas alturas, com o que há de mais luxuoso e exótico, aconteceram já a mais de cem anos, sem que nada até os dias de hoje pudesse se igualar – se o leitor que lê esse blog quiser investir em tal formato de restaurantes, conte comigo - saiba que eu, adoraria ser o seu sócio em tal empreitada ;).

* texto original em língua francesa - « Dans le salon blanc, où le soleil couchant fait étinceler les dorures, Alberto Santos-Dumont tourne le dos à la fenêtre. Immobile, assis bien droit sur une fine chaise dorée, devant un voile de guipure drapé et son rideau de soi rose, il fait face à son monde, théorie de bibelots sur collection de guéridons, les yeux fixés sur le néant. De son petit corps hiératique, seules les mains sont agitées de saccades régulières. Il tricote. Ses aiguilles opposent un tic-tic affaire au langoureux tic-tic d’une pendule. Quand sonne l’heure, il abaisse le regard vers elles, compte les mailles du bout du pouce, replie l ouvrage, le range, se lève et marche avec une vivacité soudaine vers la chambre ».

Nenhum comentário:

Postar um comentário