sábado, 6 de outubro de 2018

Viva o Brasil Unido - Santos=Dumont

Lembrando Santos-Dumont:

"Viva o Brasil Unido!"

Carta original, datilografada e assinada por Santos=Dumont celebrando o Brasil Unido
'As eleições se aproximam e o país vive momentos de expectativa e esperança. Dos novos governantes que serão eleitos, espera-se que governem para todos os brasileiros, respeitem as leis e visem sempre o bem comum.
Por este motivo, talvez seja oportuno lembrarmos de Santos-Dumont. Em um momento especialmente conturbado de nossa História, dias após a eclosão da Revolução Constitucionalista de 1932, Santos-Dumont, desejando inteirar-se da situação política, solicitou uma audiência com o então governador do Estado de São Paulo, Pedro de Toledo. Ao sair da reunião, declara que vai escrever uma carta-manifesto. Na carta, publicada em 14 de julho de 1932, Santos-Dumont clama pelo respeito à Constituição e pelo fim do conflito entre irmãos. Ao final, prega a união de todos os brasileiros: "Viva o Brasil Unido!"

"São Paulo, 14 de julho de 1932. Meus patrícios,

Solicitado pelos meus conterrâneos moradores neste Estado para subscrever uma mensagem que reivindica a ordem constitucional do país, não me é dado, por moléstia, sair do refúgio a que forçadamente me acolhi, mas posso ainda por estas palavras escritas afirmar-lhes, não só o meu inteiro aplauso, como também o apelo de quem, tendo sempre visado a glória da sua pátria dentro do progresso harmônico da humanidade, julga poder dirigi-se em geral a todos os seus patrícios, como um crente sincero em que os problemas da ordem política e econômica que ora se debatem, somente dentro da lei magna poderão ser resolvidos, de forma a conduzir a nossa pátria à superior finalidade dos seus altos destinos.
Viva o Brasil Unido!
Santos=Dumont."

Exerça sua cidadania e vote com consciência.
Viva Santos-Dumont!
Viva a Democracia!
Viva o Brasil Unido!

Leia trecho do livro "Alberto Santos-Dumont, Novas Revelações”, de Cosme Degenar Drumond:

“Em 23 de maio de 1932, uma agitação popular assombrou a capital do estado. Populares saquearam uma loja de armas e atacaram a sede da Legião Revolucionária (que apoiava Vargas). Durante o tiroteio, quatro estudantes foram mortos: Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo. Suas iniciais, MMDC, tornou-se grito de guerra e, a despeito das articulações políticas para evitar o agravamento da situação, a conflagração rebentou após entendimentos entre paulistas, gaúchos e mineiros. As tropas de voluntários mobilizadas provinham de todas as classes sociais. O interventor de São Paulo desaconselhou a luta armada. Mas, ao ver seus esforços fracassarem, enviou telegrama a Vargas: 'Esgotados todos os meios que a meu alcance estiveram para evitar o movimento que acaba de se verificar na guarnição desta região, ao qual aderiu o povo paulista, não me foi possível caminhar ao revés dos sentimentos de meu Estado'. Pedro de Toledo renunciou ao cargo de interventor. Contudo, aclamado pela revolução que se formava, foi reconduzido ao poder.

Santos-Dumont quis se inteirar dos acontecimentos políticos e solicitou audiência a Pedro de Toledo. No Palácio dos Campos Elísios, foi recebido por um assessor do gabinete, Cândido Motta Filho (1897-1977), que desde criança admirava o inventor. Tanto que, em 1919, fizera um voo panorâmico, recorrendo ao aviador americano Orton Hoover, instrutor de voo da Força Pública Paulista. Duas décadas mais tarde, Motta Filho viria a ser ministro da Educação e Cultura no governo Café Filho (1954-1955). Ali, ao lado de seu ídolo, ficou tão radiante que registrou o momento em suas memórias, 'Contagem Regressiva'. Uma cópia dessa passagem se encontra no arquivo organizado pelo brigadeiro Lavenère-Wanderley:


- Que alegria, para mim, conhecê-lo pessoalmente! Para mim, o senhor é uma figura de romance...
Ao que Santos-Dumont respondeu: 'Se fiz alguma coisa é porque era novo e acreditava que para a mocidade nada é impossível'.

Motta Filho observou-o melhor:

O personagem de Júlio Verne andava ao meu lado. Seus cabelos lisos, de uma cor baça e amarelada, caíam-lhe na nuca, por cima do colarinho alto. Seus passos apressados não pareciam, entretanto, de um albatroz, mas de um parisiense daquela sociedade que vinha de Bourget, passava por Maupassant e caía na pena de Marcel Proust.

No salão do palácio, enquanto aguardava o governador, tinha a cabeça baixa, os olhos fixos no chão enladrilhado, ele que vivera com os olhos no céu.

Na audiência com o governador rebelado, foi informado da gravidade da situação. Ao sair da reunião, já preocupado com o iminente conflito, a caminho do carro, cruzou novamente com o admirador que o elogiara momentos antes e comentou: 'Estou com São Paulo com todas as consequências dos momentos difíceis. Vou dizer isso em público, em manifesto. Não sou político, mas compreendo as situações políticas'.

Em poucos dias, seu quadro emocional alterou-se. Examinado por uma junta médica, recebeu a orientação de buscar uma cidade litorânea para uns dias em repouso. Escolhida a praia de Guarujá, ao lado de Santos, para lá foi transportado de carro por Jorge Villares. Hospedou-se no Hotel de la Plage, quarto nº 152, enquanto o sobrinho ocupava o quarto ao lado. O aviador Edu Chaves, que morava em Santos, passou a visitá-lo quase diariamente.”
Santos=Dumont testando seu último invento, o Lançador de boias salva vidas, próximo ao antigo Grand Hotel de La Plage, onde cometeu suicídio,  na praia das Pitangueira - Guarujá pouco antes de sua morte.

Nove dias depois de divulgar esta carta-manifesto e três dias após completar 59 anos, Alberto Santos-Dumont se suicidou, em 23 de julho de 1932, no Guarujá. A causa foi a depressão crônica, que o afligia há mais de uma década. Alguns biógrafos sustentam que o uso do avião como arma de guerra, durante a Revolução, teve influência em seu suicídio.

Seus restos mortais repousam junto aos de seus pais, Henrique e Francisca, no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro'.


Texto integral de um fã da página que prefere não se identificar.

A Revolução de 1932 e a Morte de Santos=Dumont


Na foto acima vemos o famoso carro funerário que transportou o corpo de Santos=Dumont, bem como três momentos emblemáticos do dia de seu sepultamento: 1- a multidão carregando seu caixão; 2- A passagem pela Avenida Rio Branco, que ele menciona carinhosamente à Yoanda Penteado numa fotografia de 1928 e 3- O dilúvio causado pela chuva torrencial que caiu no dia de seu enterro. A Rua General Polydoro aparece completamente alagada e parte das cerimônias tiveram que ser canceladas.

É muito difícil para quem escreve sobre a ‘Maravilhosa Vida de Santos=Dumont, falar sobre sua morte. Mas 15 anos depois do inicio do blog, a pedido de leitores, segue minha pesquisa sobre o assunto.


Gostaria de iniciar e terminar essa matéria com as lindas palavras de Henrique Dumont Villares, seu sobrinho:

QUEM DEU ASAS AO HOMEM - 1953

“...De São Paulo que, no pungente momento desse trespasse, se achava isolado do resto do mundo por força do movimento armado, assim mesmo partiu e reboou longe a inesperada, dilacerante notícia.

Foram universais as manifestações de pesar. Logo, em 25 de julho, o governo do Brasil decretava “luto nacional por três dias, pelo falecimento de Alberto Santos-Dumont”, salientando, nos seus “consideranda”, que “o brasileiro Alberto Santos-Dumont, inventor da direção dos balões e do vôo mecânico, dotando a humanidade de novos engenhos para o seu desenvolvimento, estreitou os laços entre as nações e cooperou para a paz e solidariedade entre os povos, tornando-se, assim, merecedor da gratidão do Brasil, cujo nome honrou e glorificou”.

Não era esse, aliás, apenas um luto nacional: mas universal. Era um gênio que o mundo todo perdia. Para sempre fechava suas asas quem deu asas ao homem.

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Podemos iniciar este relato com a triste noite de 9 de julho de 1932, Santos=Dumont acompanhava as notícias dos confrontos na Praça da República, entre integrantes da Legião Revolucionária Getulista, fundada por Miguel Costa, e pessoas contrárias ao que a Legião defendia.

Segundo o artigo de 24 de outubro de 1932, desde aquela época, a suspeita de suicídio estava em pauta.

Nesse embate, onde foram usadas até armas de guerra, morreram os jovens paulistas Miragaia, Martins, Dráusio e Camargo, que dariam origem à sigla MMDC que reunia os conspiradores revolucionários, e também à um confronto armado sem precedentes na historia de São Paulo.

Era a Revolução Constitucionalista de 1932. O Estado de São Paulo liderava uma revolta contra Getúlio Vargas, que, a seu ver, havia assumido o poder de forma antidemocrática. A insatisfação aumentou devido à nomeação por Vargas de um interventor externo para São Paulo.

As elites paulistas liberais exigiam eleições e uma nova Constituição, mas isso não aconteceu.

Foi então que a aviação teve seu importante papel, o governo federal contava com cerca de 58 aeronaves entre a Marinha e o Exército, enquanto os paulistas tinham apenas dois aviões Potez e dois Waco, além de alguns aviões de turismo. 

Um terceiro avião foi obtido pelos rebeldes com a deserção do tenente Artur Mota Lima, que trazia uma aeronave do Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro.

Os "vermelhinhos", como eram chamados os aviões do governo federal, eram usados em combate para bombardear cidades paulistas, inclusive Campinas, e também para propaganda, lançando panfletos sobre cidades inimigas e locais de concentração de tropas rebeldes. 

Aeronaves das Unidades Aéreas Constitucionalistas (UAC), apelidadas de “gaviões de penacho”, tiveram participação limitada.

Durante a Revolução de 1932, apesar das limitações das aeronaves, a aviação realizou duas façanhas notáveis: em 21 de setembro, atacou Moji-Mirim e inutilizou cinco dos sete aviões federais antes que pudessem decolar; e em 24 de setembro, três "Gaviãos de Penacho" atacaram o couraçado Rio Grande do Sul em Santos para relaxar o bloqueio do porto.

Aviões da Revolução Brasileira de 1932 - do lado legalista eram 58 aeronaves Waco CSO-5, os chamados "Vermelhinhos" - do lado paulista, a UAC - União Aérea Constitucionalistas, chamapdos de "Gaviões de Penacho" tinha , inicialmente, dois WACOs CSO e dois Potez 25 TOE, posteriormente foram adicionadas outras aeronaves como esta Nieuport-Delage NiD-72 chamada “Negrinho”.

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Nossa história se passa meses antes, no dia 23 de julho, quando Santos=Dumont é brutalmente atormentado pelos voos da guerra. 

A preocupação com o uso de aeronaves em guerra não era recente, seis anos antes, em 1926, Santos=Dumont já havia enviado uma carta à Liga das Nações pedindo a proibição do uso de aviões como arma de guerra, chegando até a oferecer uma quantia em dinheiro para quem escrevesse uma monografia sobre o assunto.

Sua solicitação foi ignorada.

Mediante tanta dor, a morte do inventor ocorreu no Hotel La Plage, quando seu repouso de convalesceça por um 'distúrbio nervoso' foi abruptamente interrompido pelo barulho de aviões indo para seu destino de guerra - a dor  tornou-se insuportável.

A versão da síncope cardíaca

Mesmo perplexa com os atentados à São Paulo, a opinião pública tentava entender o que de fato teria acontecido com Dumont, a versão oficial, contada pela imprensa, era que Dumont havia morrido de clapso cardiáco.

Esse é o trecho do laudo necrológico do legista Roberto Catunda:

“Guarujá – Alberto Santos Dumont – 23-julho-1932. Alberto Santos Dumont – Brasileiro, branco, solteiro, com 59 anos de idade, inventor. Ao que consta, foi encontrado morto em um dos apartamentos do hotel de La Plage, no Guarujá, onde residia. Trata-se do cadáver de um homem de estatura mediana e de constituição regular, ainda em estado de flacidez muscular. Veste terno de casimira preta, gravata preta e calça botinas pretas. Não encontramos pelo corpo vestígio de lesão traumática. A morte se deu por colapso cardíaco”.

Como sabemos, por conta da revolução de 32, S=D não pode ter seu velório e enterro no momento de sua morte, foi então que o professor da Faculdade de Medicina de São Paulo, Walter Haberfeld preparou o corpo de S=D para mantê-lo íntegro até o efetivo funeral, no dia 22 de dezembro de 1932, no túmulo que mandou construir no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro.

Parte desse processo de embalsamamento, foi a retirada de todos os órgãos internos. Walter descartou todos os outros órgãos más manteve o coração preservado, “eu queria transformar o coração conservado numa representação física de Dumont em seu plano carnal”. Haberfeld manteve o coração de Dumont secretamente guardado em formol, por 12 anos, muitos crêem que ele queria guardar o coração de Dumont como forma de, num futuro próximo, revelar a verdadeira causa mortes de Dumont. 

O Destino desse órgão ficou desconhecido até o ano de 1944 quando Paulo Gomide, voltou a apresentá-lo.

O coração preservado de Santos=Dumont está em um escrínio dourado em forma de esfera celeste metálica, sustentado por um Ícaro, que envolve outra esfera de cristal, que, por sua vez, guarda o coração preservado em meio a soluções químicas. A peça foi confeccionada pela Fundição Zani e possui uma placa com a seguinte inscrição: EM 24 OUTUBRO DE 1944, DURANTE AS COMEMORAÇÕES DA "SEMANA DA ASA", FOI FEITA A ENTREGA, PELO DR. PAULO SAMPAIO, PRESIDENTE DA PANAIR DO BRASIL, AD DR. SALGADO FILHO, MINISTRO DA AERONAUTICA, DO CORAÇÃO EMBALSAMADO DE ALBERTO SANTOS DUMONT, QUE HAVIA SIDO RETIRADO DO SEU CORPO POR OCASIÃO DA AUTOPSIA REALIZADA PELO DR. WALTER HABERFELD, EM 24 DE JULHO DE 1932. A CONFECÇÃO DO ESCRÍNIO FOI INICIATIVA DO DR. PAULO SAMPAIO, E A CONCEPÇÃO ARTISTICA FOI DE AUTORIA DE AMERICO MONTEROSA E GUY EYMMINET. 

Era a Semana da Asa, no ano de  1944, o coração foi levado ao Rio de Janeiro em um voo, sendo entregue ao então Ministro da Aeronáutica, Joaquim Pedro Salgado Filho, pelo presidente da Panair, Paulo Sampaio.

Suspeitas de Enforcamento

Um capítulo significativo na história da aviação e da humanidade chegava ao fim, enquanto o mundo chorava sua partida, os acontecimentos que se seguiram revelaram a complexidade das emoções e reações humanas diante de uma perda tão importante, em um momento tão obscuro da a história do Brasil. 

A importante cobertura jornalistica, da Revista O Cruzeiro, escrita por Edmar Morel de 1972, sobre as conquistas e gorias de Santos=Dumont, bem como o depoimento do delegado Raimundo de Menezes, enviado de Santos ao Guarujá no dia de sua morte, comprovando o enforcamento.

O triste acontecimento do quarto 151 repercutiria em uma série de acontecimentos. Jorge Dumont Villares, que se hospedava no quarto 152, ao lado do tio e mentor, viu-se naquele momento com um grande desafio.

A solidariedade humana surge como um raio de luz em meio à escuridão, amigos, familiares e admiradores se uniram para homenagear Santos=Dumont e oferecer conforto, porém, nem todas as reações foram permeadas de respeito e empatia.

Luxuoso Grand Hotel La Plage, no Guarujá e algumas últimas fotos do Santos=Dumont no local, antes da tragédia do quarto 151

Alguns funcionários do hotel, repórteres e pessoas que estavam presentes no momento, em um gesto cruel e insensível, fizeram comentários desrespeitosos e mórbidos sobre os eventos ocorridos no quarto 151. Suas ações demonstram uma falta de compreensão da profundidade do luto e da importância histórica. E isso gerou uma serie de boatos e desinformações que persistem até os dias de hoje.

Mas foi somente em 1º de novembro de 1972 que a verdadeira história foi revelada, em uma reportágem histórica de Edmar Morel, autor de 'O Pai da Aviação', intitulada “Santos=Dumont, O Gênio Torturado”, faz um apanhado das conquistas e glórias do inventor, bem como aparece com um surpreendente relato do delegado Raimundo de Menezes, enviado de Santos ao Guarujá no dia de sua morte:

“Uma noite, recebi a informação vinda de Guarujá de que o grande inventor fora encontrado morto no banheiro. Organizei a caravana e para lá seguimos. No “Hotel La Plage”, o mais elegante daquela praia, tivemos que arrombar a porta do banheiro, por cuja clarabóia se avistava o corpo pendurado numa gravata ou num cordão de roupão. Magríssimo, era ele um feixe de ossos. 

Persuadido de que era o culpado pela invenção do avião, que estava servindo para bombardear os seus patrícios, disse por várias vezes a Edu Chaves, com quem se encontrava alojado no hotel, que se sentia angustiado por isso. 

Aproveitando um instante de descuido realizou o seu intento: enforcou-se. Comuniquei imediatamente ao chefe de Polícia, Dr. Tirso Martins, o ocorrido, bem como o pedido da família para que lhe fosse entregue o corpo, sem maiores formalidades legais. 

Autorizado, assim procedi, tendo por isso os jornais do dia seguinte anunciado o episódio como morte natural, havendo o médico legista dr. Roberto Catunda dado o atestado assim afirmando. Não houve inquérito policial. 

Tratava-se de uma glória nacional. Daí a ordem da Secretaria de Segurança, a pedido da família. 

Eis o que sei a respeito.”

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Mesmo com o chocante relato do delegado, que presenciou a morte e acabou com o mistério e as más palavras dos crueis, ainda hoje a morte de Santos=Dumont é cercada de polêmicas.

Sophia Helena, parente próxima do aviador, tinha muita dificuldade em abordar esse tema, ela dizia algo como "parece que ele se matou" ou "dizem que ele se matou" no documentário de Nelson Hoineff, roteiro de Henrique (no versão que tem 10 minutos a mais), como se não quisesse acreditar.”

E no fim deste duro, porêm importante artigo, como ela havia dito no início, termino com a frase de outro parente, Henrique Dumont Villares:

“E então, em 23 de julho de 1932, seus olhos, que tantas vezes viram o que ainda não vimos, fecharam-se para sempre.”

Há uma fala de Leonardo Da Vince, que considero uma oração e ilustra muito bem a vida e a morte de Santos=Dumont:

“Siccome una giornata bene spesa dà lieto dormie, così una vita bene usata dà lieto morire”.

Assim como um dia bem passado traz um sono feliz, uma vida bem vivida traz uma morte feliz.

sábado, 23 de junho de 2018

Os incríveis Jantares Aéreos de Santos Dumont

Santos=Dumont sentado em suas mesas altas, com convidados

Existem relatos de que quando morava em Paris, no inicio da década de 1910, Santos=Dumont mandou fazer mesas de dois metros de altura, acompanhadas de pequenas escadas, para que os convidados pudessem subir nas cadeiras elevadas, bem como, para que os garçons pudessem servi-los. Colocou essas mesas em seu apartamento da Champs Élysées e promoveu algumas refeições para convidados muito especiais.

Outros relatos, dizem que foi somente feito um conjunto de mesa com quatro cadeiras.

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Infelizmente não temos muitas referências de como, quando e porque Santos=Dumont promovia esses “Jantares nas Alturas”, as poucas que nos chegam, acabam sendo distorcidas, incompletas, tendenciosas e pejorativas.

Reconstituição da sala de jantar nas alturas com base em fotos da época.

Más que deveriam ser eventos muito extravagantes, sofisticados e por isso, inesquecíveis, disso eu não tenho dúvida.


O apreço de Santos=Dumont por vivenciar refeições únicas, e levar um estilo de vida digno do que lia nas aventuras de Julio Verne, viria a ser conhecido mais tarde quando ele frequentemente parava seu dirigível N.9, no restaurante 'La Grande Cascade', ou na frente de seu elegante apartamento em Paris, somente para tomar um café com amigos, e retornar seus voos.

Mas foi com os Aereial Dinner Parties (eventualmente chamados de “L’incroyable diner dans le ciel” ou “diner aérien” pelos parisienses) que Santos=Dumont conquistou o coração da elegante elite ‘dandie’ da época.

Das melhores matérias que achei a respeito sobre esses e outros jantares promovidos por ele, começo citando Jorge Henrique Dodsworth, sobrinho-neto de Santos Dumont: “Cabeça nas alturas, jantar nas alturas. Ele mandou fazer mesa de jantar e cadeiras especiais para dar aos convidados aristocratas a sensação de estar nos ares”.

Yolanda Penteado nos descreve o “Tio Alberto”, como ela  carinhosamente o chamava e um pouco sobre quem seriam esses possíveis convidados: “Santos-Dumont era extremamente elegante e refinado. Impecável, lançou moda: o colarinho Santos-Dumont, chapéus Santos-Dumont, (...) excêntrico e vaidoso. Como era baixo, usava botas elevadores. Ou como serão chamadas mais tarde, saltos plataforma (...) nos primeiros anos do século XX, Santos-Dumont foi, realmente, a figura número um de Paris. Era, diga-se de passagem, o tempo em que gente fabulosa como, Marcel Proust, Guy de Moupassant, Toulouse-Lautrec, brilhava nos bulevares, nos cafés e nos salões. (...) O famoso caricaturista SEM o registrou o registrou em um café ao lado de Lautrec”.


Yolanda fala também sobre outras excentricidades e sofisticações de Dumont em relação às refeições que promovia, “Certa vez [Santos-Dumont] nos convidou para ir a Petrópolis (...) nós éramos convidadas a almoçar, e qual não foi meu espanto, quando via a mesa forrada de violetas dobradas, de Parma. A louça, Royal Dalton, muito bonita, vermelha. Um negrão trouxe uma bandeja com um enorme peru. O preto quase não cabia na sala (a Encantada, casa de Santos=Dumont em Petrópolis, tem dimensões muito diminutas) e foi uma cena, para cortar o peru. Seu Alberto serviu só champagne. Dentro das champagne também havia uma violeta.

Já quanto a vida do aviador em Paris, na intimidade de seu apartamento, temos a referencia do repórter do New-York Mail and Express, que certa vez fora enviado a Paris para descrever sua personalidade. É importante ressaltar que essa descrição possa ser um pouco tendenciosa, posto que  Santos=Dumont era muito amigo de James Gordon Bennett, uma celebridade e milionário que vivia em Paris, proprietário do jornal concorrente, o New York Herald.

Paul Hoffman, em seu livro Asas da Loucura descreve minuciosamente a decoração do apartamento de Santos=Dumont, redigida por tal repórter: “feita em uma profusão de tons pastel, azul e branco, rosa, dourados, com paredes forradas de seda e filó, grandes laçarotes. Diz ainda que era o próprio Dumont que tecia, era grande conhecedor da arte da tapeçaria e bordava suas próprias toalhas e guardanapos”.

É possível também que Dumont tenha feito sua própria roupa de mesa, posto que os bordadeiras da família Dumont, do noroeste de Minas Gerais, tem antiga tradição nessa arte, fazendo toalhas de renda irlandesa, lençóis com rendendê, fronhas com ponto de cruz, usando técnicas seculares que se misturam a tantas outras neste Brasil afora.

O tricô, crochê e o bordado fazem parte da tradição feminina no Brasil, no entanto é sabido que a matemática e a arte que se empregam em tal tarefa, era aprendida em família, muitas vezes por homens que não tornavam publico tal façanha, para evitar o preconceito, e atualmente é praticado por muitos homens e mulheres com o intuito de desenvolver habilidades mentais, controle de estresse e obviamente, por sua beleza.


No livro “La Demoiselle et la Mort”, Michel Bénichou descreve o inventor em sua casa praticando essa arte: “No salão branco, onde o sol poente cintila dourado, Alberto Santos-Dumont dá as costas para a janela. Imóvel, sentado numa poltrona dourada, diante de uma cortina rosa sob um véu bordado, ele encara seu mundo, um monte de bugigangas numa coleção de mesinhas (guéridons), fixa seus olhos no nada. De seu pequeno corpo hierático, apenas as mãos se agitam com movimentos regulares. Ele está tricotando. O tique-taque de suas agulhas competem com o suave tique-taque de um relógio. Quando chega a hora, ele olha para eles, conta as malhas com a ponta do polegar, faz a dobra, os arruma, levanta e caminha com súbita vivacidade para o quarto”*.

Sei ainda que muitos leitores de nossa cultura tendem a ter impulsos machistas no que diz respeito a suas habilidades com agulhas, e à sua sexualidade, o que é causado por pura ignorância, mas na França essa sua habilidade era conhecida e respeitada. Nesse sentido, me esforço por abordar tal assunto, com espírito de investigação jornalística e livre de preconceito.

Ser convidado para tal evento, ter uma refeição na casa de uma das maiores personalidades do inicio do século XX, promovidas pelo gênio aviador, nosso pai da aviação, e ainda vivenciar únicas experiências gastronômicas nas alturas, com o que há de mais luxuoso e exótico, aconteceram já a mais de cem anos, sem que nada até os dias de hoje pudesse se igualar – se o leitor que lê esse blog quiser investir em tal formato de restaurantes, conte comigo - saiba que eu, adoraria ser o seu sócio em tal empreitada ;).

* texto original em língua francesa - « Dans le salon blanc, où le soleil couchant fait étinceler les dorures, Alberto Santos-Dumont tourne le dos à la fenêtre. Immobile, assis bien droit sur une fine chaise dorée, devant un voile de guipure drapé et son rideau de soi rose, il fait face à son monde, théorie de bibelots sur collection de guéridons, les yeux fixés sur le néant. De son petit corps hiératique, seules les mains sont agitées de saccades régulières. Il tricote. Ses aiguilles opposent un tic-tic affaire au langoureux tic-tic d’une pendule. Quand sonne l’heure, il abaisse le regard vers elles, compte les mailles du bout du pouce, replie l ouvrage, le range, se lève et marche avec une vivacité soudaine vers la chambre ».

sexta-feira, 15 de junho de 2018

Pioneiros Portugueses da Aviação Gago Coutinho e Sacadura Cabral

Pioneiros Portugueses da Aviação Gago Coutinho e Sacadura Cabral
A cidade de Sagres, que se encontra numa península que se projeta para o Oceano Atlântico, no Cabo de S. Vicente, é a ponta mais a sudoeste do país e todo o continente europeu. É um lugar incrivelmente especial, com falésias de 70 metros que mergulham no mar, e por muito tempo as pessoas acreditaram que era lá o fim do mundo.

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Um príncipe português, o Infante Dom Henrique, tinha uma escola de navegação lá, você ainda pode visitar as ruínas. Possuía o que havia de mais moderno em cartas náuticas e mapas celestes e equipamentos de navegação, era onde os exploradores se encontram e compartilham conhecimento e informações antes de navegar pelo oceano.

Estar lá me fez pensar em Colombo, Magalhães e Vasco da Gama, os grandes homens que deram grandes saltos no desconhecido para descobrir novos mundos. Sagres foi o Centro Espacial Johnson da época.

Como toda descoberta real começa por devaneios românticos, os portugueses foram os primeiros a colocar seus sonhos em prática – diz a lenda que a história da aviação portuguesa pode começar a ser contada com os "feitos de João Torto",
João Torto salta da torre da catedral na praça de São Mateus

Usando dois pares de asas cobertas de pano de chita presas aos braços e um capacete em forma de águia, Torto saltou da torre da catedral na praça de São Mateus em 20 de junho de 1540 às 17h. na frente de uma grande multidão e caiu a uma curta distância de uma capela próxima.

Infelizmente, quando ele pousou, seu capacete se desprendeu de seu rosto e obscureceu sua visão. Ele caiu no chão, ferindo-se fatalmente.

Torto, um verdadeiro homem da Renascença, era um homem de muitos ofícios: ele era enfermeiro, barbeiro, fisiologista e curador certificado, astrólogo e professor. - ele certamente inspirou os próximos pioneiros da aviação que estavam por vir.

Outro grande pioneiro da aeronáutica foi um monge jesuíta, Bartolomeu de Gusmão, que interrompeu os seus estudos na Universidade de Coimbra para desenvolver as suas máquinas voadoras. Nos dias 5 e 8 de agosto de 1709, o monge demonstrou o princípio do mais-leve-que-o-ar ao rei João V de Portugal, à sua corte e ao Cardeal Conti, mais tarde Papa Inocêncio XIII.
Passarola de Bartolomeu de Gusmão

Gusmão demonstrou em ambientes fechados e também ao ar livre o princípio usando um “balão de ar quente”, que certa vez atingiu uma altura de 4,5 metros, carregando a “Passarola” um navio voador onírico no formato de  uma ave.

Não poderia deixar passar aqui, nesse blog que Santos=Dumont, pelo seu lado materno, descendia de família portuguesa, ele valorizava tanto seu nome de origem portuguesa “Santos” quanto o “Dumont” francês, separados por um sinal de igual em sua famosa assinatura “Santos=Dumont”, na qual equalizava a importância de suas duas ascendências. Mas foram sem dúvida Gago Coutinho e Sacadura Cabral os mais importantes aeronautas portugueses até os dias de hoje.

Nesse encontro, Dumont forneceu a dupla de aviadores importante informação de navegação, referentes ao uso de cronometro e outras cruciais referencias de navegação que fizeram toda a diferença no que diz respeito a segurança aérea para a travessia.
Saiba mais sobre o projeto "Por Ares Nunca Dantes Navegados" de Rita Figueiredo França com o objetivo de homenagear Gago Coutinho, Sacadura Cabral e Santos=Dumont a ser realizado no dia 18 de Junho de 2018

No dia 30 de março de 1922, os dois aviadores portugueses Sacadura Cabral e Gago Coutinho partiram para a Estação Aérea Naval do Bom Sucesso, no Tejo, perto da Torre de Belém, em Lisboa, às 16h30 do dia 30 de março de 1922. no avião Lusitânia da Aviação Naval Portuguesa, foi a primeira travessia do Atlântico Sul.
O Lusitânia perto da Torre de Belêm

No 17 de abril, eles voaram para a Praia, na Ilha de Santiago, e depois para o Arquipélago de São Pedro e São Paulo, já em águas brasileiras, para onde chegaram no mesmo dia, depois de voar 1.700 quilômetros sobre o Atlântico Sul. Chegaram a esse ponto confiando apenas no Sextante da Bolha Padrão, com seu horizonte artificial e o corretor de rotas, ambos inventados por Coutinho exclusivamente para essa viagem.

No entanto, quando abandonou os mares revoltos perto do arquipélago, o Lusitânia perdeu um dos seus flutuadores e afundou. Os dois aviadores foram salvos pelo cruzador NRP República, que havia sido enviado pela Marinha Portuguesa para apoiar a travessia aérea. Os aviadores foram então levados para as ilhas brasileiras de Fernando de Noronha.

Imediatamente depois disso, o governo português enviou outro hidroavião Fairey III para completar a viagem. O novo avião, batizado Pátria, chegou a Fernando Noronha no dia 6 de maio. Após a reforma, o Pátria partiu no dia 11 de maio com Coutinho e Cabral a bordo, em direção ao Arquipélago de São Pedro e São Paulo para retomar a jornada do local interrompido, mas um problema no motor os obrigou a fazer um pouso emergência no meio do oceano, onde ficaram a deriva por nove horas até serem salvos pelo navio de carga britânico Paris City, que os levou de volta a Fernando Noronha.
Fairey III chega a ilha de Santa Cruz

Um terceiro Fairey III - batizado com o nome de Santa Cruz, em homenagem a esposa de Epitácio Pessoa, o Presidente do Brasil - foi enviado, levado pelo cruzador NRP Carvalho Araújo. Em 5 de junho, o Santa Cruz foi colocado nas águas de Fernando Noronha e Coutinho e Cabral retomaram sua jornada, voando para Recife, e depois para Salvador na Bahia.

Eles finalmente terminaram a viagem de 5.000 milhas no Rio de Janeiro, em 17 de junho, após um total de 62 horas de vôo (é importante dizer que os aviadores britânicos John Alcock e Arthur Brown fizeram o primeiro vôo transatlântico direto em junho de 1919 e chegaram a St. John's, Newfoundland, em Candada).
Sextante de Horizonte Artificial 

Usado para medir o angulo entre dois objetos a distância, o sextante era a ferramenta básica dos navegadores marítimos, mas não era possível utilizá-lo quando se está abordo de uma aeronave, pois considera a linha d’água e o nível do mar como pontos de referencia fundamentais.

Foi então que Gago Coutinho inventou o Sextante de Horizonte Artificial ou o Coutinho-Pattern Bubble Sextant e o Corretor de Rumos.
Funcionamento do Sextante Marítmo

O Sextante usava uma ampola contendo uma bolha de ar como substituta à linha d’água, tal como os outros inventos feitos por experientes navegadores portugueses, as idéias adotadas para conceber o sextante especial foi elegantemente simples - suponhamos que o navegador esteja se aproximando do litoral de Lisboa, e a uma certa distancia, quer medir o angulo do topo da torre de Belém em comparação com à linha do horizonte (linha d’água), com isso estipular o angulo e obter trigonometricamente a distancia até a torre:

1 - A principio parte-se do zero no braço móvel e no tambor micrométrico, a seguir olhando pelo telescópio, enquadra-se a linha da água no espelho pequeno;
Funcionamento do Sextante de Gago Coutinho

2 – Depois de bem enquadrado, aperta-se o grampo e solta-se o braço móvel, girando-se o tambor micrométrico até que o topo da torre se alinhe com a linha da água – nesse ponto, leia a escala de graus marcadas no arco graduado.
Sextante de Horizonte Artificial, inventado por Gago Coutinho

No caso do Sextante de Horizonte Artificial, inventado por Gago Coutinho, foram adicionados um horizonte artificial ( 9 ), um frasco com água e nível de bolha de ar, que era refletido por um espelho auxiliar, substituindo assim a janela do nível d’água. Este dispositivo permitia definir um plano horizontal, sem a necessidade do horizonte de mar visível aos navegantes marítimos, naturalmente posicionados ao nível do mar.

Em colaboração com Sacadura Cabral, ele projetou e construiu outro instrumento que eles chamaram de "Plaqué de abatimento" ou "corretor de rota", que permitia calcular graficamente o ângulo entre o ângulo longitudinal da aeronave e a rota a ser seguida, levando em conta a intensidade e direção do vento.

A fim de verificar a eficácia dos seus métodos e instrumentos, Gago Coutinho e Sacadura Cabral fizeram várias viagens aéreas, uma das quais foi a viagem entre Lisboa e o Funchal em 1921, em cerca de sete horas e meia. Nesta jornada, Gago Coutinho realizou 15 cálculos de linhas retas de altitude e várias observações da força e direção do vento. Segundo suas anotações, os processos de navegação utilizados “foram suficientes para determinar com precisão qualquer ponto longe da Terra, por menor que fosse, recurso que se tornou essencial para o projeto de longa distancia da viagem aérea de Lisboa para o Brasil”.
Hidroavião Fairey F III-D nº 17 "Santa Cruz" (Museu de Marinha de Lisboa)

A saga de Coutinho e Cabral, a travessia aérea do Atlântico Sul bem como a invenção desses instrumentos inovadores inspiraram numerosos pilotos transatlânticos subsequentes, como o norte-americano Charles Lindbergh, o brasileiro João Ribeiro de Barros e o português Sarmento de Beires, todos atravessando o Atlântico em 1927.
Carta de Gago Coutinho à Santos=Dumont
Carta de Gago Coutinho a Santos=Dumont

Num incrível documento, mantido no museu de Cabangu existe uma linda carta póstuma de Gago Coutinho endereçada a Santos=Dumont, manifestando admiração pelo idolo, descrevendo a felicidade ao ler sobre as aventuras do grande homem nas matérias da "Vie au grand-air", e carinhosamente se referindo a e Santos=Dumont como pai da aviação. A seguir leia o texto integral.

"Pessoalmente, eu admirei Santos Dumont, antes de o conhecer em pessoa. Suas aventuras aéreas eram-me relatadas pelo semanal francês "Vie au grand-air", quando há meio século eu trabalhava no sertão africano, como geógrafo.

Notei que ele começara seus estudos pelo princípio, pelo balão esférico. Seguiu depois com o dirigível, então só militar, com motor elétrico. Foi avançando com sua volta à Torre Eiffel; daqui passou ao dirigível a "motor de fogo", que representava o "fogo ao pé da estopa", perigoso, como depois se viu.

E assim foi levado ao Avião, já sem hidrogênio, mas que ele viu ser a "máquina de voar" do futuro. E, enfim - faz agora uns 52 anos - Santos , obteve resultado material, provando que o "Homem poderia vir a voar", e bem melhor que os rivais, os pássaros. Parece que alguns estranharam que ele não tivesse feito tal demonstração na sua terra, o Brasil, como ouvi há 36 anos, repetir no Rio, causando-lhe antipatia, indiferença. Mas ainda lá não havia os recursos para suas experiências com motores leves, de gasolina, além de pessoal para a construção de balões, etc.

Porém faltava ainda um interesse mundial, como se provou com a sua experiência definitiva em 1906, em St. Cloud. Aqui suas experiências provocaram um interesse público, na presença de interessados no problema, como Blérriot e outros, que viram materialmente o futuro que S. Dumont revelara publicamente. E assim, sua experiência logo provocou outros pilotos do Ar, que passados poucos meses já sabiam voar, com recursos derivados dos que revelara o "Pai da Aviação", o nosso S. Dumont. De sorte que, se outros já tinham voado melhor que os seus dois heliómetros - vôo que eu gostaria de ver repetidos todos os anos por esta época o fato concreto é que foram suas experiências de 1906 o passo capital, que provocou tal desenvolvimento, como aquele que a Companhia "Panair do Brasil" demonstra com seus aviões gigantes, que embarcam aos 70 passageiros, todas as semanas!

Não é tudo. Em 1922, S. Dumont ofereceu-me, como ao seu colega experimentador, aqueles dois instrumentos, com os quais procurava demonstrar praticamente o poder da orientação do Avião no Ar - semelhante àquele que - há séculos - os "Pilotos lusos" revelaram ao Mundo, no alto mar. O seu Cronómetro aqui está, ao passo que seu sextante, que serviu também a seus estudos de navegação, já o ofereci ao Museu de São Paulo, estudos em que ele nos precedera.

Composição da carta original em três páginas

E, por assim dizer, em réplica, tive ocasião de lhe proporcionar um grande prazer espiritual: Na tarde de 4 de Junho de 1931, navegava S. Dumont a bordo do paquete Lutetia, levando assim, na sua última viagem para o Brasil, o Pioneiro do Ar, que era Santos Dumont; pelo través do paquete, o Avião-gigante D.O.X., passou-lhe uma centena de metros no mar, voando apenas a uns seis metros da água. Corríamos à velocidade de cem nós, com segurança, e proporcionando-lhe a satisfação de verificar palpavelmente o alcance da sua criação inicial - voando com aquela máquina cem vezes mais pesada que a sua "Demoiselle", de Paris. Íamos confiados em instrumentos, como aqueles que ele experimentara, Cronómetro e Sextante. Aquele acontecimento aéreo, mostrava que ele previra tudo, melhor que outros o teriam feito, sem testemunhas.

Eis o que notei, apenas 25 anos depois do seu vôo público, definitivo."

Lisboa, 1958 - Out. 17 Gago Coutinho