terça-feira, 12 de setembro de 2023

Dimitri Sensaud de Lavaud o primeiro a voar no Brasil

Planta do primeiro avião construído no Brasil por Dimitri Sensaud de Lavaud, que decolou na Avenida Autonomistas em 1910 e o Museu de Osasco em 1980, com o 'São Paulo' na garagem.

No ano de 1980 eu morava com minha família no Parque Continental, próximo a Osasco, São Paulo. Foi nesse período que vivi um momento que moldaria o meu fascínio pela aviação.


Uma reforma em nossa casa e toda a poeira no ar me causou problemas respiratórios e como parte do tratamento minha mãe me levava regularmente a uma clínica na Avenida Autonomistas para fazer radiografias - no caminho tinha algo que sempre me chamava a atenção.

Avenida Um (hoje Antonio de Souza Noschese, no Parque Continental, onde morou Luiz Pagano nos anos 1970/80

Quando o carro saia da Av. João Batista em direção à Avenida Autonomistas, havia um avião muito antigo, estacionado na garagem de uma linda casa, era uma aeronave experimental antiga que parecia ter saído de um livro de Júlio Verne.

Naqueles momentos minha imaginação voava alto, achava que tinha diante dos olhos o primeiro avião de Alberto Santos=Dumont, até que meu pai me esclareceu, dizendo que não era o 14º Bis, e que só restava dele era a cesta (fiquei indignado).

Aquela era a antiga residência de Dimitri Sensaud de Lavaud, recém transformada no Museu de Osasco, Lavaud foi o primeiro homem a voar no Brasil – sim, o primeiro voo da America Latina aconteceu bem ali, na Avenida Autonomistas, bem ao lado da minha casa. A emoção que senti ao descobrir isso se tornou a semente do meu amor pela aviação - o primeiro voo da america Latina tinha acontecido a 70 anos atrás, a alguns metros de casa.

Museu de Osasco com o avião estacionado na garagem em 1980. Antônio Agú construiuo chalé por encomenda de Giovanni Brícola na Avenida dos Autonomistas, 4001, que também foi residência do Barão Evaristhe Sensaud de Lavaud, e de seu filho, Dimitri Sensaud de Lavaud (homenageado com o nome do museu), engenheiro naturalizado brasileiro, que fez o pouco conhecido Primeiro Voo da América Latina, pilotando o avião SÃO PAULO, em 7 de janeiro de 1910.

Durante anos quis visitar o Museu de Osasco para conhecer mais sobre a história daquele avião e, finalmente, meu desejo se tornou realidade, meu pai me levou ao museu, e aquela visita foi um marco na minha vida, ficava fascinado por exposições que contavam a história da aviação, de Santos=Dumont a pioneiros locais como Dimitri Sensaud de Lavaud.

A história da aviação no Brasil é repleta de acontecimentos notáveis. Embora Santos=Dumont tenha feito história voando na França, foi irônico que um francês, Lavaud, tenha se tornado uma figura-chave na história da aviação brasileira. Em 7 de janeiro de 1910, construiu o primeiro avião inteiramente projetado em solo brasileiro, batizado de "São Paulo", que fez seu voo histórico em Osasco, diante de um grupo de curiosos e jornalistas, capítulo crucial na rica história da cidade. . . e da aviação no Brasil.

Luiz Pagano em 1980 no Parque Continental, próximo a Osasco

Quem foi Dimitri 

Dimitri Sensaud de Lavaud nasceu em Valladolid, Espanha em 18 de setembro de 1882, veio morar em Osasco em 1898 trazido pelo pai, o barão Evariste Sensaud de Lavaud e, pela mãe, a russa Alexandrina de Bogdanoff. Casou-se em 1903, com a brasileira descendente de franceses, Bertha Rachoud e desta união tiveram três filhos: Georgeth, Robert e Gabrielle.

No dia 7 de janeiro de 1910, Dimitri pilotou o aeroplano "SÃO PAULO", que ele mesmo projetou e construiu. Chegou a uma altura de 3 a 4 metros do chão, percorrendo cerca de 105 metros em 6 segundos e 18 décimos, partindo do terreno onde intercessão da Av. dos Autonomistas com Avenida João Batista, sobrevoou a Avenida dos Autonomistas, em Osasco, na Grande São Paulo, por mais de seis segundos, fazendo uma aterrisagem abrupta na sequência. 

Segundo o jornal O Correio Paulistano, ele deslizou por 70 metros antes de levantar voo e logo pousou de forma bem abrupta. O aviador, sem ferimentos, foi aplaudido pelos presentes que compareceram na ocasião.

7 de janeiro de 1910, Dimitri e curiosos verificam o “SÃO PAULO” após pouso abrupto na Avenida dos Autonomistas, em Osasco.

Na ocasião, seu feito foi divulgado amplamente pela imprensa, tornando-o conhecido. Mas, com o passar dos anos, a história foi ficando esquecida, e hoje, tal como aconteceu com Santos dumont e os Wright, muitos creditam a realização do primeiro voo latino-americano ao piloto mexicano Alberto Braniff (1884–1966).

Dimitri também voou em São Paulo com um outro aeroplano, um Blériot comprado de Giulio Piccolo, aviador italiano que se acidentou e morreu em São Paulo, em 1910. O voo de Dimitri com esse aeroplano, ocorreu na área onde futuramente seria construído o Estádio Palestra Itália, hoje conhecido como Parque Antártica, no dia 19 de fevereiro de 1911.

7 de janeiro de 1910, Dimitri a bordo do “SÃO PAULO” pouco antes da decolágem na Avenida dos Autonomistas, em Osasco.

Além de aviador, Dimitri foi um inventor prolífico e um personagem importante do Século XX. Com mais de mil patentes registradas, ele revolucionou a indústria mundial de tubos metálicos e trouxe inovações a outras indústrias, como a automobilística e a própria indústria da aviação.

A efeméride cosntuma ser lembrada em Osasco, onde por vezes acontece um hasteamento de bandeiras em homenagem aos feitos do aviador. No evento de 2020 estiveram presentes no local a bisneta de Dimitri, Fabiana Martine, e o neto de Lourenço Pellegatti, Caio Pellegatti, que foi um dos grandes amigos e mecânico de Dimitri. O aviador morava em Osasco.

Mais de 100 Patentes e Invenções 

Após naturalizar-se brasileiro (1916), muda-se para o Canadá e, passa a residir definitivamente na França a partir da década de 1920. Em 1925 é condecorado como Cavaleiro da Legião de Honra pela Academia de Ciências de Paris em reconhecimento pelo valor suas pesquisas.

Sensaud de Lavaud teve mais de 100 patentes registradas, entre elas o "Turbine"

Dimitri Sensaud de Lavaud foi um inventor apaixonado e engenheiro que desempenhou um papel notável na indústria automobilística, suas inovações incluíram a criação de um processo revolucionário de fundição centrífuga, que aprimorou significativamente a produção de tubos de cerâmica. Além disso, Dimitri projetou um carro próprio com uma transmissão automática contínua, uma conquista tecnológica extraordinária para a época.

Nos anos 1930, Dimitri estabeleceu uma parceria e amizade com André Citroën, o renomado fabricante de automóveis. Juntos, eles colaboraram em testes da transmissão automática hidráulica desenvolvida por Dimitri, conhecida como "Turbine", instalando-a em veículos Citroën. A notável característica da "Turbine" era sua suavidade de funcionamento, tornando o progresso e a aceleração do carro extremamente suaves, além de eliminar as vibrações transmitidas pelos suportes de motor de borracha.

Em 1932, Dimitri Sensaud de Lavaud exibiu seu carro inovador e a transmissão "Turbine" na Feira de Paris. Sua tecnologia avançada atraiu a atenção do público e dos entusiastas automobilísticos, embora a transmissão "Turbine" tivesse muitas vantagens, como a suavidade de condução, ela também enfrentava desafios, como uma aceleração mais lenta, maior consumo de combustível em comparação com caixas de câmbio manuais e problemas de superaquecimento do óleo da transmissão em inclinações prolongadas.

Dimitri Sensaud de Lavaud se destacou como um inventor apaixonado e sua contribuição para a indústria automobilística deixou uma marca importante em sua história de inovação e tecnologia.

Preso injustamente durante a Segunda Guerra Mundial, Dimitri foi acusado de colaborar com o regime de Adolf Hitler. Foi solto em 8 de junho de 1945, após 8 meses de prisão graças a um esforço da diplomacia brasileira. Mesmo após ser inocentado, nunca recuperou a alegria de viver, morreu deprimido e empobrecido, aos 64 anos de idade. Seu corpo está enterrado no cemitério de Neuilly-sur-Seine, próximo de Paris.

Não há informações disponíveis que indiquem um encontro direto entre Dimitri Sensaud de Lavaud e Alberto Santos-Dumont, o famoso pioneiro da aviação brasileiro. Ambos eram figuras notáveis em suas respectivas áreas de interesse, com Santos-Dumont sendo conhecido por suas contribuições para a aviação e Dimitri Sensaud de Lavaud por seu trabalho na indústria automobilística e inovações tecnológicas. Embora suas atividades tenham ocorrido na mesma época e ambos fossem inventores prolíficos, não parece haver registro de uma interação significativa entre os dois.

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Minha empolgação em visitar o Museu de Osasco e conhecer essa história única foi um momento memorável. Esta paixão levou-me a continuar a explorar o mundo da aviação e eventualmente a ser voluntário no Museu da Aronáutica, na Oca do ibirapuera em 1984, ao lado de Ada Rogato.  Lá, tive a honra de contribuir para a preservação da história da aviação, ajudando a limpar aviões, uma experiência que se tornou uma experiência parte valiosa, da minha jornada pessoal.

O avião de Lavaud, visto na beira da Av. Autonomistas, se tornou um ícone na minha vida, um lembrete constante de que os sonhos podem decolar em qualquer lugar, inclusive no nosso próprio quintal.